Atendimento aos artigos 113 e 422, ambos do Código Civil
Por muitos e muitos anos, os legisladores e os aplicadores da lei, por meio da construção da jurisprudência vêm lutando para que a boa fé contratual seja observada, e acima de tudo, respeitada.
E infelizmente, alguns julgados ainda atiram por terra, e não contentes, ainda pisoteiam sobre os princípios da honestidade, da lealdade e da boa fé contratual.
Decisões que reconhecem de modo aberto a existência de desrespeito e ilícito contratual, mas que albergam e incentivam esta pratica, ao deixar de condená-las, conduzem a um perigoso descrédito do Poder Judiciario.
Para que respeitar o contrato, o principio da boa fé e da honestidade, se é possível desrespeitá-lo, locupletar-se as custas de outrem, e ainda tirar vantagem financeira do descumprimento contratual, sem que sobrevenha qualquer reprimenda a este ato, como se tem visto, infelizmente, em algumas decisões?
Segundo os ensinamentos de Sílvio de Salvo Venosa, o Código Civil em vigor (Código Civil de 2002) veio trazer expressamente em seu bojo três momentos em que a boa-fé objetiva deve ser observada.
O primeiro momento é o do artigo 113, que tem uma função interpretativa, ao prescrever: “os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”.
A seguir, é a vez do artigo 187, com sua função de controle dos limites do exercício de um direito, que assim prevê: “também comete ato ilíalcito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”
Por fim, o terceiro momento é o mais importante para as obrigações, por apresentar uma função integradora dos negócios jurídicos, nos termos do artigo 422:
“Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.”
Mas então pergunta-se:
Para que guardar os princípios da probidade e da boa fé na execução e conclusão do contrato, se o Poder Judiciário, quando confrontado acerca de tal tema, negar efetividade ao mesmo?
O reconhecimento de um ato ilícito, sem que se lhe imponha uma reprimenda austera, espalha e alberga de modo inaceitável a pratica da desonestidade e da má-fe contratual, ofendendo assim abertamente a disposição contida no artigo de lei supra colacionado.
Note-se que pela inteligência do artigo 113 do CC, verifica-se que o princípio da boa-fé está vinculado não só com a interpretação do negócio jurídico, mas também ao interesse social de segurança das relações jurídicas, uma vez que as partes devem agir com lealdade e também em consonância com os usos do local em que o ato negocial foi por elas celebrado.
Já o artigo 187, por sua vez, prevê a hipótese do abuso de direito ou exercício irregular do direito. Significa dizer que o uso de um direito, poder ou coisa, além do permitido ou extrapolando as limitações jurídicas, lesando alguém, traz como efeito o dever de indenizar.
Ainda que seja um ato legal ou lícito, pode esconder-se a ilicitude no resultado, por atentado ao princípio da boa-fé e aos bons costumes ou em razão do desvio de finalidade sócio-econômica para o qual o direito foi criado e estabelecido.
Por fim, o disposto no artigo 422 do CC, materializa a boa-fé nas relações negociais, exigindo das partes em especial o dever de veracidade, integridade, honradez e lealdade, refletindo, desse modo, não só uma norma de conduta, mas também funcionando como paradigma na estrutura do negócio jurídico.
Todavia, vale lembrar uma crítica tecida por diversos doutrinadores ao analisarem esse dispositivo, em particular no que diz respeito às limitações fixadas (período da conclusão do contrato até a sua execução), deixando de valorar a necessidade de aplicações da boa-fé às fases pré-contratual e pós-contratual, com a devida extensão do regramento.
Note-se que enquanto existe enorme preocupação da Lei em proteger os negócios jurídicos de atitudes desonestas, deparamo-nos com algumas decisões judiciais, que deixam de condenar os infratores por sua evidente e inegável má-fé e desonestidade contratual, colocando por terra toda uma gama de conceitos morais e éticos.
Desta feita, a observância da boa-fé, seja em sua função interpretativa do negócio jurídico, seja na constatação do abuso de direito ou, ainda, seja em sua avaliação na responsabilidade pré-contratual ou pós-contratual, estará sempre condicionada à atividade do juiz na aplicação do direito ao caso concreto.
A boa-fé objetiva, também denominada boa-fé lealdade, significa o dever de agir de acordo com determinados padrões, socialmente recomendados, de correção, lisura e honestidade.
Trata-se de uma regra de conduta, a ser seguida pelo contratante, pautada na honestidade, na retidão, na lealdade e, principalmente, na consideração para com os interesses legítimos e expectativas razoáveis do outro contratante, visto como um membro do conjunto social.
A abalizada doutrina, e, muito especialmente, o grande jurista alagoano Paulo Luiz Netto Lôbo , assesta que “a boa-fé objetiva é regra de conduta dos indivíduos nas relações jurídicas obrigacionais. Interessam as repercussões de certos comportamentos na confiança que as pessoas normalmente neles depositam. Confia-se no significado comum, usual, objetivo da conduta ou comportamento reconhecível no mundo social. A boa-fé objetiva importa conduta honesta, leal, correta. É a boa-fé de comportamento“.
Em igual sentido, ‘mutatis mutandis’, elucida Cláudia Lima Marques que a “boa-fé objetiva significa, portanto, uma atuação ‘refletida’, uma atuação refletindo, pensando no outro, no parceiro contratual, respeitando seus interesses legítimos, suas expectativas razoáveis, seus direitos, agindo com lealdade, sem abuso, sem obstrução, sem causar lesão ou desvantagem excessiva, cooperando para atingir o bom fim das obrigações: o cumprimento do objetivo contratual e a realização dos interesses das partes“.
A boa-fé objetiva se acha inserida no novo Código Civil enquanto um princípio, de cunho social, estampado que se acha pela cláusula geral disposta no artigo 422.
O novel codificador agiu bem em positivar a boa-fé objetiva enquanto cláusula geral, na medida que, através dessa técnica legislativa, faculta-se ao aplicador do Direito uma linha teleológica de interpretação, objetivando a abertura do sistema jurídico para permitir o ingresso de princípios e valores, de forma ‘não-casuística’.
A boa-fé objetiva trata-se, pois, de um princípio, ou de uma cláusula geral.
Por oportuno, registre-se que a norma do artigo 422 do Código Civil de 2002 refere-se a ambos os contratantes do contrato comum, civil ou comercial, não podendo o princípio ser aplicado preferencialmente ao contratante devedor, mas aplicado a qualquer deles, indistintamente.
E ainda: que o princípio da boa-fé objetiva, segundo a melhor doutrina, aplica-se aos contratantes antes, durante e após o contrato, ou seja, é aplicável à conduta dos contratantes antes da celebração (in contrahendo) ou após a extinção do contrato (post pactum finitum).
Por todos os motivos retro expostos, é que se mostra de suma importância a luta dos aplicadores do direito, no sentido de se buscar e exigir a efetividade do princípio da boa fé objetiva estampado no art. 422 do Código Civil aos negócios em geral, atitude que por certo resguardara a moralidade dos contratantes, assim como conduzira à prestações jurisdicionais embuídas de um espirito de Justiça concreta.
Raquel Wollert
OAB/SC 17.234
Núcleo Civel
Dean Jaison Eccher Advogados Associados