O Código Penal Brasileiro, além de tutelar as ações definidas como crime, também abriga circunstâncias que excluem a ilicitude da violação praticada. Estas situações estão descritas no art. 23 do Código Penal Brasileiro, conhecidas como estado de necessidade, legítima defesa e ainda nos casos em que o crime é praticado em estrito cumprimento do dever legal ou no exercício regular do direito.
Limito as considerações apenas a primeira causa, qual seja o estado de necessidade que assim está descrito no art. 24 do mesmo diploma legal, vejamos: Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.
Como é possível extrair do respectivo artigo, o estado de necessidade ocorre nos casos em que um sujeito acaba por cometer alguns atos, a fim de afastar perigo atual não praticado por sua vontade e que nem podia evitá-los.
Nessa linha, considerando a letra do artigo do art. 24 do CP acima citado, é possível concluir que o estado de necessidade pode ser utilizado por qualquer tipo de pessoa e para proteger qualquer direito, a fim de evitar danos que possam ser irreparáveis.
Ingressando na seara do direito penal tributário, sabe-se que é considerado crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as condutas de omissão de informações, fraudar fiscalizações tributárias, falsificação de notas, fazer declarações falsas de notas, deixar de recolher o imposto ou a contribuição social no prazo legal, aos cofres públicos, dentre outros.
Lembra-se de antemão, que a utilização do direito penal deve sempre ser utilizada como última alternativa, pois, no que concerne ao direito tributário, há outros meios de realizar a cobrança do imposto ou da contribuição devida pelo sujeito.
Assim, considerando se tratar da última alternativa, questiona-se: pode a defesa alegar que seu cliente praticou as condutas contidas nos arts. 1º e 2º da Lei 8.137/1990, em verdadeiro estado de necessidade?
Cremos que a resposta seja afirmativa, pois, analisando a letra do art. 24 do Código Penal, tem-se que constitui o estado de necessidade o fato de que para salvar-se de perigo atual, não praticado por vontade própria e não podendo evitar-se de outro modo, deixe o agente de agir de tal ou qual modo, sobretudo, ao simplesmente deixar de recolher o tributo, embora tenha declarado ao Fisco sua obrigação. Aliás, nesse sentido segue o posicionamento do Tribunal Regional da 4ª Região:
EMENTA: PROCESSO PENAL. SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. DIFICULDADES FINANCEIRAS. EXCLUDENTE DA CULPABILIDADE. PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO. 1. Em que pese o entendimento de que não é possível aplicar a causa de exclusão da culpabilidade aos casos de sonegação de contribuição previdenciária, as peculiaridades do caso concreto, ensejam a sua aplicação. 2. Demonstrada a impossibilidade de agir o acusado de acordo com a lei, resta excluída a culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa, absolvendo-se o réu com base no artigo 386, inciso VI, do Código de Processo Penal. (TRF4, ENUL 5005321-36.2011.404.7100, QUARTA SEÇÃO, Relatora CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, juntado aos autos em 18/12/2015).
Logo, considerando que nos últimos anos nosso país foi atingido por uma crise, uma recessão econômica e, considerando ainda que as empresas fazem ou fizeram de tudo para não ter que abandonar seu negócio, optam ou optaram por deixar de pagar tributos e contribuições, a fim de manter seus funcionários e ainda seus fornecedores para que sua linha de produção se mantenha, preservando o menor giro possível e, desta forma, ter um mínimo de renda para “girar” seu negócio, torna-se razoável admitir a falta de recolhimento do tributo como forma de manter seu negócio em tempo de forte recessão econômica.
Ou seja, mesmo existindo a crise e a diminuição do consumo de seu produto, ainda sim o empresário tentou manter seus funcionários e seus fornecedores, tudo, com a intenção de aquecer o mercado, impulsionar o retorno de crescimento e, ainda que pareça estranho, contribuir para o crescimento de seu Estado/País, já que a consequência do aquecimento do consumo é o aumento da arrecadação dos tributos e, logicamente, do retorno do pagamento do imposto devido pela empresa e não pago ao seu tempo.
Por este motivo, apesar do tributo não ser recolhido em tempo oportuno, é possível concluir que tal situação apenas ocorreu por que o empresário tenta, a todo custo, manter sua equipe, seus respectivos vencimentos e ainda, seus fornecedores, tudo, com o único intuito de não prejudicar outras pessoas, senão, apenas a si mesmo, já que o entendimento majoritário dos tribunais vem seguindo no sentido de que o simples fato do imposto/contribuição não ser recolhido no tempo oportuno é causa suficiente para deflagrar uma ação penal contra o administrador da empresa.
Ora, é lógico que o fato de reduzir ou suprimir o respectivo tributo se trata de um crime, mas esta situação apenas deve ser encarada nos casos em que o empresário o pratica com a intenção de enriquecimento ilícito, ou seja, acrescer seu capital, seu patrimônio, aí sim o sujeito deve ser punido com o rigor da lei penal, no entanto, caso tal situação tenha ocorrido com o fito de manter outras pessoas em uma situação no mínimo estável, então o direito penal não deve prevalecer, já que os Entes Públicos possuem outras formas de cobrança dos impostos e contribuições que lhe são devidas.
Conclui-se, portanto, que havendo um robusto material probante é possível que a defesa do empresário demonstre a existência do estado de necessidade, já que a intenção foi de manter seus funcionários e fornecedores e, em nenhum momento ter obtido qualquer vantagem econômica ou patrimonial que desse causa a deflagração de uma ação penal.
Jonas Ariel Sevenhani
Advogado – OAB/SC 42.399
Célula Tributária
FONTES:
Código Penal Brasileiro;
Lei Federal nº 8.137/1990;
Jurisprudências do Tribunal Regional da 4ª Região;
A impossibilidade de pagar tributo ou contribuição previdenciária. Disponível em http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=6088. Acesso em 03 de Outubro de 2016.