O ITBI é um imposto de competência dos municípios e do Distrito Federal. É sabido que o CTN foi recepcionado pela CRFB/1988, no qual o imposto de ITBI foi introduzido no ordenamento jurídico constitucional com algumas mudanças, como por exemplo, na sua hipótese de incidência e órgão competente.
Ao tratar do ITBI o art. 156 preconiza que “Compete aos Municípios instituir impostos sobre: II – transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição.”
No parágrafo segundo do mesmo artigo, a CRFB/1988 estabelece em seu texto hipóteses, donde a regra de não incidência do ITBI descrita acima não se aplica, ou seja, o contribuinte é imune ao pagamento do imposto:
- 2.º O imposto previsto no inciso II: I – não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arredamento mercantil;
A título exemplificativo para compreensão da norma acima, apresenta-se o seguinte exemplo: pessoa “x” sócia de uma pessoa jurídica, ou seja, uma empresa, incorpora ao capital da pessoa jurídica um bem imóvel em realização do capital social da sociedade. O sócio “x” deixa de ser proprietário do imóvel e passa a deter quotas sociais da pessoa jurídica.
A operação exemplificada acima é imune ao pagamento de ITBI ao município que corresponde o bem imóvel, isto é, o sócio ao integralizar um bem imóvel, está imune do pagamento do supracitado imposto.
Ademais, a norma previu a imunidade de ITBI nos casos de transmissão do imóvel decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção da pessoa jurídica.
Ao comparar ambas as normas, mais especificamente as hipóteses de não incidência do ITBI elencadas no CTN, constantes no art. 36, verifica-se que a CRFB/1988 não recepcionou o parágrafo único de forma expressa, que limita a imunidade às hipóteses de transferências de bens para integralização do capital subscrito pelo sócio, às transmissões decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica (art. 156, § 2, I, CF).
Desta feita, para uma melhor elucidação, traz-se a transcrição literal do art. 36 do CTN, in verbis:
Art. 36. Ressalvado o disposto no artigo seguinte, o imposto não incide sobre a transmissão dos bens ou direitos referidos no artigo anterior:
I – quando efetuada para sua incorporação ao patrimônio de pessoa jurídica em pagamento de capital nela subscrito;
II – quando decorrente da incorporação ou da fusão de uma pessoa jurídica por outra ou com outra.
Parágrafo Único. O imposto não incide sobre a transmissão aos mesmos alienantes, dos bens e direitos adquiridos na forma do inciso I deste artigo, em decorrência da sua desincorporação do patrimônio da pessoa jurídica a que foram conferidos.
(grifo nosso)
Ou seja, a CRFB/1988 não recepcionou a hipótese de imunidade em decorrência da desincorporação de bens imóveis do patrimônio da pessoa jurídica, ou seja, na transferência de bens imóveis da pessoa jurídica para as pessoas físicas, caso reverso da incorporação ao patrimônio.
Inicialmente é primordial compreender o que é a incorporação, para que adiante, possa tratar especificamente da desincorporação. Nesse, deslinde Carraza preceitua a respeito:
Quando pessoas pretendem desenvolver atividades civis ou mercantis, de forma estruturada e por intermédio de terceira pessoa, faz-se necessário aportar recursos numa entidade, que terá vida própria e personalidade jurídica distinta da de seus sócios criadores.[1]
Isto é, uma pessoa com interesse de ingressar ou investir numa determinada sociedade, pode investir ao invés de dinheiro, bens imóveis em realização do capital, adquirindo para si as quotas da sociedade. Na sequência, o mesmo autor explica:
Ao capitalizar determinados recursos nessa pessoa, denominada jurídica, eles passam a permanecer a esta última, e não mais às pessoas fundadoras. Em contrapartida, as pessoas que levaram bens ao capital social da referida sociedade passam a deter participações societárias desta e, como tais, recebem o título de sócios. Os sócios nada mais fazem do que permutar seus bens. Exemplificando para melhor esclarecer, deixam de ser proprietários de determinados montantes de dinheiro para serem proprietário de quotas sociais.[2]
Conforme exposto acima, o sócio investe na sociedade incorporando a ela determinado bem imóvel, em decorrência desse fato, passa a ser titular das quotas sociais da pessoa jurídica.
Pois bem, ocorreu a integralização de bens na sociedade pelo sócio em realização do capital social, contudo, por situações alheias opera-se a saída do sócio daquela pessoa jurídica. Desse modo, realiza-se o levantamento de seus haveres e este, recebe em pagamento de suas quotas sociais os bens imóveis outrora integralizados em pagamento de suas quotas sociais.
Adiante, verifica-se na jurisprudência que é incontroverso que ao desincorporar um bem imóvel da pessoa jurídica, ocorre uma redução de capital. Assim, verifica-se:
DIREITO TRIBUTÁRIO. DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADE POR COTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA. RETIRADA DE SÓCIO COM A DESINCORPORAÇÃO DO PATRIMÔNIO SOCIAL. IMPOSSIBILIDADE DE COBRANÇA DE ITBI. IMUNIDADE DISCIPLINADA NO ART. 156, § 2º, I, DA CF, E NO ART. 36, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CTN. SENTENÇA MANTIDA. “Nos termos do art. 156, § 2º, I, da Carta Magna, é assegurada a imunidade tributária nas operações de transmissão de bens imóveis de sócios para a formação do capital social da empresa, bem como nas hipóteses de transmissão de bens em decorrência da fusão, incorporação, cisão ou extinção da pessoa jurídica, desde que a atividade preponderante do seu destinatário não seja a compra e venda, a locação ou o arrendamento mercantil de bens imóveis. Caso em que tal regra de imunidade é assegurada quando da redução do capital social, com a desincorporação de bem imóvel de sua propriedade, mediante a sua transmissão aos sócios da empresa. […]” (Ap. Cív. n. 70026536433, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Elaine Harzheim Macedo, Julgado em 27/11/2008) (Ap. Cív. 70026536433, Caxias do Sul, rela. Desa. Elaine Harzheim Macedo, j. 27-11-2008). RECURSO DESPROVIDO. (TJSC, Apelação Cível n. 2009.031074-0, de São Miguel do Oeste, rel. Des. Vanderlei Romer, j. 14-07-2009).
(grifo nosso)
Ademais, pelo entendimento da doutrina e da jurisprudência, a este fato – redução de capital social – denomina-se a extinção parcial da sociedade. Nesse sentido, Carrazza explica:
É que tal redução opera, grosso modo, a parcial extinção da empresa. Deveras, havendo extinção da sociedade, dá-se a redução total do seu capital social, retornando aos sócios o patrimônio societário (cada sócio recebe a parcela do patrimônio líquido da companhia correspondente ao número de ações de que é detentor). Já, ocorrendo a redução do capital societário, verifica-se basicamente o mesmo processo; apenas a restituição do patrimônio da sociedade aos sócios é parcial (e não integral). No mais, inexistem diferenças essenciais entre os dois fenômenos jurídicos, que – insistimos – variam apenas de grau. Daí falamos em extinção parcial quando aludimos à redução do capital social de uma empresa.[3]
A respeito, Carraza enfatiza:
Realmente, a redução traduz um processo de extinção da sociedade, em que parcela dos direitos patrimoniais da pessoa jurídica retorna ao patrimônio de seus sócios. Os sócios voltam ao status quo anterior a capitalização no que se refere à propriedade de seus bens. [4]
Neste diapasão Carraza conclui que “estamos, portanto, percebendo que a redução de capital representa uma verdadeira desincorporação do patrimônio da pessoa jurídica.”[5].
Tem-se que o ato de desincorporar o bem imóvel da sociedade caracteriza de forma cristalina a ocorrência da extinção parcial da sociedade. Deste modo, a constitucionalidade da norma passa a ser examinada sob esta ótica.
O autor Ichihara pautado em Carraza entende que “desincorporação ou extinção parcial, quando o imóvel retorna ao antigo proprietário é imune”[6]. Nesse sentido, Carraza enfatiza que “de fato, é incontroverso que a incorporação – que, em última análise, fortalece a sociedade – não sofre a incidência do ITBI. Esta é a própria dicção constitucional”[7].
E no caso contrário, a desincorporação o mesmo autor arremata “ora, a desincorporação – que a enfraquece – por muito maior razão (argumento a fortiori) também deve ser alvo do benefício constitucional em tela.”[8]
Nessa mesma linha Carrazza prescreve que:
[…] a imunidade do ITBI na incorporação de bens imóveis ao capital das empresas tem como finalidade facilitar o desenvolvimento e a constituição de fonte econômica produtora e, uma vez frustrado o objetivo, o caminho de volta coberto pela imunidade só pode ser o do retorno do imóvel ao antigo proprietário.[9]
Outrossim, Ichihara fundamenta que “na extinção total da sociedade ou na extinção parcial, desde que o imóvel volte ao patrimônio do sócio que o subscreveu e incorporou ao capital, a situação é a mesma, logo, não se pode situação idêntica de forma desigual, sob pena de agredir o princípio da isonomia”[10].
Com o exposto acerca da Constitucionalidade da norma, o mesmo autor conclui:
O direito público subjetivo dos sócios de não serem tributados por via de ITBI exsurge como efeito reflexo da norma imunizante que os favorece. Trata-se, portanto, de um direito fundamental, que não pode ser ignorado, sob pena de manifesta inconstitucionalidade.[11]
Portanto, entende-se que a desincorporação de capital da pessoa jurídica, desde que os bens voltem aos mesmos alienantes, está amparada pela imunidade Constitucional, visto que ocorre uma redução do capital da pessoa jurídica ocasionando em uma extinção parcial da sociedade.
Pois, ao modo que o texto Constitucional imuniza o pagamento de ITBI na incorporação de bens imóveis, no efeito reverso, isto é, na desincorporação destes mesmos bens, retornando ao sócio (proprietário anterior) em pagamento de suas quotas, a norma constitucional também a ampara, outrossim, Carrazza salienta que “tal entendimento só seria improsperável se houvesse disposição constitucional expressa em sentido contrário, o que absolutamente, não é o caso.”[12]
Luana Maria Rodrigues
Depto Societário
DJE ADVOGADOS ASSOCIADOS
[1] CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 22. ed. São Paulo: Malheiros: 2006, p. 793, 794.
[2] CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 22. ed. São Paulo: Malheiros: 2006, p. 794.
[3] CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 22. ed. São Paulo: Malheiros: 2006, p. 793.
[4] CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 22. ed. São Paulo: Malheiros: 2006, p. 794.
[5] CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 22. ed. São Paulo: Malheiros: 2006, p. 794.
[6] ICHIHARA, Yoshiaki. Imunidades Tributárias. São Paulo: Atlas, 2009. p. 356.
[7] CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 22. ed. São Paulo: Malheiros: 2006, p. 794.
[8] CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 22. ed. São Paulo: Malheiros: 2006, p. 794.
[9] ICHIHARA, Yoshiaki. Imunidades Tributárias. São Paulo: Atlas, 2009, p. 357.
[10] ICHIHARA, Yoshiaki. Imunidades Tributárias. São Paulo: Atlas, 2009, p. 358.
[11] CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 22. ed. São Paulo: Malheiros: 2006, p. 795.
[12] CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 22. ed. 22. São Paulo: Malheiros: 2006, p. 794.