Cláusula de rescisão unilateral não impede indenização por danos materiais

Decisão unânime considerou a ausência de boa-fé objetiva e ofensa aos bons costumes.

terça-feira, 14 de março de 2017

 A 4ª turma do STJ definiu controvérsia relativa à validade, em toda e qualquer situação, de cláusula contratual inserida em pacto por tempo indeterminado, que prevê a resilição unilateral imotivada, sem qualquer compensação pelos investimentos realizados por um dos contratantes.

O caso foi decidido a partir do voto do ministro Luis Felipe Salomão, relator, seguido à unanimidade e o qual prevê que, se na análise do caso concreto, percebe-se a inexistência de qualquer conduta desabonadora de uma das partes, e havendo expectativa de que o negócio perduraria por tempo razoável, a resilição unilateral imotivada deve ser considerada comportamento contraditório e antijurídico.

Contrato encerrado

No caso, uma ação de indenização por danos materiais foi ajuizada por uma empresa de cobrança, alegando que em 2009 celebrou com as rés contrato de prestação de serviços de cobrança amigável e extrajudicial.

A empresa narrou que os serviços foram prestados de forma exemplar e os resultados alcançados na realização das cobranças foram acima do esperado, no entanto, em menos de um ano após a assinatura do contrato, recebeu comunicação informal de encerramento unilateral do contrato por prazo indeterminado.

A recorrente esclareceu que fez “investimentos vultosos”, como a aquisição de um software avaliado em mais de R$ 100 mil, a mudança de sua sede para local maior, com vistas a acomodar os novos prestadores de serviço contratados para atender à crescente demanda das rés, assim como uma variedade de outros investimentos realizados exclusivamente na expectativa do sucesso da relação contratual recém-inaugurada.

Apesar das tentativas, o contrato foi encerrado sob o argumento de que a continuidade da relação contratual não atendia mais aos interesses das instituições financeiras.

Julgada procedente a demanda indenizatória em 1º grau, o TJ/SP reformou a sentença, fixando o entendimento de que “se o contrato foi firmado livremente entre as partes prevalece a regra do pacta sunt servanda, pois cada um dos contratantes deve arcar com a responsabilidade assumida no acordo de vontades”.

Ausência de boa-fé e ofensa aos bons costumes

O relator, ministro Luis Felipe Salomão, assentou no voto que a “ilicitude” que rende ensejo à responsabilidade civil é de ser entendida de forma menos restrita, para além do conceito de “ilegalidade”, alcançando a ausência de boa-fé e as ofensas aos bons costumes.

E, no caso concreto, o ministro concluiu que a recorrida agiu em flagrante comportamento contraditório, ao exigir investimentos necessários à prestação dos serviços, condizentes com envergadura das empresas que os recorrentes representariam, e após 11 meses, sem qualquer justificativa juridicamente relevante, rescindir unilateralmente o contrato.

É inconteste que inexistiu qualquer conduta desabonadora da empresa recorrente, seja na conclusão ou na execução do contrato, que, somado ao progressivo e constante aumento dos serviços prestados, dada a crescente demanda, conferiram aos autores a legítima impressão de que a avença perduraria ainda por tempo razoável. Agrava a antijuridicidade da conduta das recorridas a recusa na concessão de prazo para a reestruturação econômica da contratada.”

Cláusula contratual

Ponderou S. Exa. que a simples existência de cláusula contratual permissiva da resilição unilateral a qualquer tempo, sob condição exclusiva de aviso prévio datado de cinco dias do encerramento do pacto, não deve ser o único argumento a decidir pela legitimidade do ato.

A existência da cláusula contratual que previa a possibilidade de rescisão desmotivada por qualquer dos contratantes não tem relevância, por si só, para afastar e justificar o ilícito de se rescindir unilateralmente e imotivadamente um contrato que vinha sendo cumprindo a contento, com resultados acima dos esperados, alcançados pela parte contratada.” (grifos nossos)

O ministro Salomão argumentou que, para se verificar a equidade derivada da cláusula, devem ser investigadas as consequências da rescisão desmotivada do contrato.

O que o ordenamento impõe é a resilição unilateral responsável, é a observância da boa-fé até mesmo no momento de desfazimento do pacto, principalmente quando contrário aos interesses de uma das partes.

Dessa forma, o ministro deu parcial provimento ao recurso especial, restabelecendo a sentença que julgou procedentes os pedidos da inicial, apenas no que respeita às condenações referentes aos danos materiais, cuja apuração far-se-á em liquidação por arbitramento.

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