Contrato particular de compra e venda de imóvel de valor superior a 30 salários mínimos como título hábil para registro no Cartório de Registro de Imóveis

Jeferson Luciano Canova

Cumpre ao comprador, pessoa natural ou jurídica, optar conscientemente por revestir seu contrato de compra e venda, com garantia em alienação fiduciária, pela forma pública ou particular.

O contrato particular de compra e venda de bem imóvel, celebrado por pessoas naturais ou jurídicas, com o pagamento do preço, ou parte dele, garantido por alienação fiduciária, dispensa a lavratura de escritura pública, servindo como título para o registro da transmissão da propriedade perante o Cartório de Registro de Imóveis, independente do valor do negócio ou do imóvel.

O Estado brasileiro, por intermédio do artigo 108 do CC, prescreveu que “a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País”.

Tal monopólio estatal foi excepcionado, de modo que se dispensa a lavratura de escritura pública, na compra e venda de bem imóvel urbano ou rural, celebrada por instrumento particular entre pessoas naturais ou jurídicas, desde que o preço, ou parte dele, seja garantido por alienação fiduciária, ainda que o bem imóvel transacionado tenha valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo nacional.

A alienação fiduciária, ao que importa ao presente estudo, se traduz no negócio jurídico em que o comprador, com o objetivo de garantia da dívida, dá ao vendedor a propriedade resolúvel do próprio imóvel comprado, não sendo privativa das entidades que operam no Sistema Financeiro Imobiliário-SFI, conforme ostenta o artigo 22 da lei Federal 9.514/97, verbis:

“Art. 22. A alienação fiduciária regulada por esta lei é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel.

  • A alienação fiduciária poderá ser contratada por pessoa física ou jurídica, não sendo privativa das entidades que operam no SFI, podendo ter como objeto, além da propriedade plena:

I – bens enfitêuticos, hipótese em que será exigível o pagamento do laudêmio, se houver a consolidação do domínio útil no fiduciário;

II – o direito de uso especial para fins de moradia;

III – o direito real de uso, desde que suscetível de alienação;

IV – a propriedade superficiária.” (grifos não constam do original)

Nesse norte, a e. Corregedoria Geral de Justiça do Estado de SP já decidiu, em inúmeras oportunidades, que o contrato compra e venda, com alienação fiduciária, não é privativo das entidades que operam no SFI, podendo ser entabulado entre pessoas naturais ou jurídicas:

“NORMAS DE SERVIÇO DA CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA – CAPÍTULO XX – Requerimento apresentado pelo Colégio Notarial do Brasil, Seção São Paulo – Alienação fiduciária de imóveis – Forma – Escritura pública ou instrumento particular para quaisquer dos contratos previstos na lei 9.514/97 ou resultantes de sua aplicação – Proposta de utilização do instrumento particular com efeitos de escritura pública apenas nos lavrados por entidade integrante do SFI – Não acolhimento.” (Autos 131.428/12, Corregedor Des. Elliot Akel, DJ 19/3/14, grifos não constam do original) (No mesmo sentido CGJSP, processo: 049648-26.2012.8.26.0002, DJ: 11/08/2016).

Para ilustrar, trazendo tal dinâmica à realidade cotidiana, um vendedor, por exemplo, oferta a venda apartamento pelo valor de R$ 400.000,00. Ao final, o vende por R$ 390.000,00 à vista e R$ 10.000,00 a prazo, para pagamento em 15 dias, que perante o Cartório de Registro de Imóveis serão objeto de dois atos registrais: (1) registro de compra e venda, levando em consideração, para fins de custas e emolumentos, o valor da transação ou o valor do imóvel, o que for maior; (2) registro da alienação fiduciária, levando em consideração o valor da dívida a prazo, ou seja, a dívida vincenda (no caso os R$ 10.000,00).

Tal venda e compra, ao ser instrumentalizada por contrato particular, em que houve a constituição da garantia de alienação fiduciária para o pagamento da parcela vincenda (R$ 10.000,00), tem força de escritura pública, podendo ser apresentado diretamente no Cartório de Registro de Imóveis para registro, operando a transmissão da propriedade, na esteira do artigo 38 da lei Federal 9.514/97:

“Art. 38. Os atos e contratos referidos nesta Lei ou resultantes da sua aplicação, mesmo aqueles que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis, poderão ser celebrados por escritura pública ou por instrumento particular com efeitos de escritura pública.”

Em decorrência, quando houver o pagamento dos R$ 10.000,00, no exemplo prefalado, os vendedores passarão termo de quitação que ensejará uma averbação com valor, levando em consideração o valor dessa dívida quitada. Tal quitação, ao ser averbada no Cartório de Registro de Imóveis, opera a transmissão da propriedade plena ao comprador de tal imóvel.

Vale dizer, o contrato de compra e venda de bem imóvel urbano ou rural, onde o pagamento do preço de aquisição não se dá à vista, ficando saldo devedor garantido por alienação fiduciária, pode ser celebrado por contrato particular, independente do valor do negócio ou do direito real alienado, tendo, pois, efeitos de escritura pública.

Reprise-se que tal contrato pode ser levado diretamente no Cartório de Registro de Imóveis que, com o respectivo registro e, ao depois, da averbação da quitação da dívida garantida pela alienação fiduciária, operará a transmissão da propriedade imóvel ao comprador, não precisando se revestir da forma pública, isto é, da escritura pública. Ressalta-se que, após o registro de tal contrato no Cartório de Registro de Imóveis, o comprador somente passará a ser dono da propriedade plena, quando apresentada a quitação da dívida garantida pela alienação fiduciária, para ser averbada na serventia predial. A transmissão da propriedade plena fica condicionada, pois, ao cancelamento da garantia (alienação fiduciária) que garante o cumprimento da obrigação vincenda, no caso ora ventilado, o pagamento dos R$ 10.000,00.

Ademais, a celebração do contrato de compra e venda, com alienação fiduciária, pela forma particular, demanda do comprador um conhecimento mínimo da dinâmica da transação e dos riscos envolvidos no negócio. Caso contrário, a prudência recomenda a lavratura de tal contrato por escritura pública, por ter a assessoria de um profissional com amplo conhecimento jurídico, no caso o Tabelião, que sanara as dúvidas do comprador e operará as diligências pertinentes.

Cumpre, pois, ao comprador, pessoa natural ou jurídica, detentor agora de liberdade de escolha quanto à forma do título, em face do arrefecimento do monopólio estatal, optar conscientemente por revestir seu contrato de compra e venda, com garantia em alienação fiduciária, pela forma pública ou particular.
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*Jeferson Luciano Canova é Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da Comarca de Mirandópolis-SP.

Fonte: www.migalhas.com.br

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