Da permanência por tempo indeterminado no canal cinza da parametrização do desembaraço aduaneiro

Os canais de parametrização criados pela Receita Federal do Brasil tem o objetivo submeter à mercadoria a um processo de fiscalização, dependendo do canal selecionado. Os canais são divididos em quatro cores, verde, amarelo, vermelho e cinza, conforme definido pela Instrução Normativa da RFB n. 680/2006. No canal verde, a mercadoria é despachada automaticamente sem a necessidade de verificação de documentação complementar, diferentemente do que ocorre com os demais canais, que exigem análise documental.

Entretanto, de todos os canais, o mais ‘temido’ é o ‘canal cinza’, já que neste caso presume-se a existência de uma fraude, o que leva, além da análise documental, a uma análise da mercadoria e um exame preliminar do valor aduaneiro, que inclusive podem levar até a uma perícia para confirmação da fraude.

Essa fiscalização ocorre em razão do Poder de Polícia atribuído a Receita Federal do Brasil, pois, de acordo com o que descreve o art. 178 do Código Tributário Nacional “considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos”.

Assim, considerando-se o elevado número de importações, evidente que o Fisco não possui estrutura, muito menos pessoal para fiscalizar todos os containers descarregados no país. Por isso, criou a sistemática acima descrita, visando selecionar determinadas mercadorias para realizar a conferência e constatar a existência de fraudes que podem colocar em risco o comércio local, a redução de tributos, etc..

A seleção dessa mercadoria ocorre com base no art. 21 da IN RFB n. 680/2006, o qual destaca que após o registro, a Declaração de Importação (DI) será submetida à análise fiscal e selecionada para um dos canais (verde, amarelo, vermelho e cinza) por intermédio do SISCOMEX, que levará (ou deveria levar) em consideração, entre os outros, os seguintes elementos:

I – regularidade fiscal do importador;

II – habitualidade do importador;

III – natureza, volume ou valor da importação;

IV – valor dos impostos incidentes ou que incidiriam na importação;

V – origem, procedência e destinação da mercadoria;

VI – tratamento tributário;

VII – características da mercadoria;

VIII – capacidade operacional e econômico-financeira do importador; e

IX – ocorrências verificadas em outras operações realizadas pelo importador.

 

Ocorre, que quando esta mercadoria é selecionada para o canal cinza, a mercadoria fica retida por tempo considerável, diante da existência de várias etapas de fiscalização, pois há a instauração de procedimento especial para inspeção da mercadoria e confirmação da suposta fraude. Entre idas e vindas, é possível que o procedimento supere 180 (cento e oitenta) dias.

Na certa, tal procedimento causa prejuízos ao importador da mercadoria, razão que leva vários contribuintes a buscarem guarida judicial, principalmente quando todas as importações acabam sendo selecionadas para o “canal cinza”, o que eleva o prejuízo do importador.

Dentre as ações judiciais, destaca-se uma do sul país, onde o Tribunal Regional da 4ª Região reconheceu que não pode a Receita manter o importador no canal cinza por tempo ilimitado, pois apesar de existir alguns parâmetros para seleção das mercadorias, estes apenas são exemplificativos, o que dá suporte a Receita Federal (através da SISCOMEX) selecionar qualquer mercadoria para conferência no canal cinza.

Por esta razão, uma empresa que estava sendo regularmente fiscalizada – segundo a UNIÃO “por se tratar de pessoa jurídica que apresenta comportamento de risco e que, por consequência não faria jus à parametrização indiscriminada de suas operações para o canal verde de conferência aduaneira”, ingressou com ação judicial, visando o desembaraço aduaneiro imediato das mercadorias que estavam retidas, pois, em síntese, entendia que o Fisco estava causando embaraços em sua atividade.

Encurtando o caminho, o TRF4, em total consonância com a sentença de primeiro grau, entendeu que como não há norma que defina o tempo que pode perdurar essa fiscalização, em razão da empresa ter o comportamento de risco (em razão de outras importações acabou sendo atuada), ainda assim, não pode o Fisco, mantê-la no regime mais gravoso por tempo indeterminado, pois os princípios constitucionais da presunção de inocência e do devido processo legal estariam sendo violados. Ademais, também não seria justo que a empresa não fosse mais fiscalizada, pois assim, o Poder de Polícia e o princípio da isonomia também não estariam sendo observados.

Por esta razão, a e. Turma decidiu que, para fins de cumprimento da legislação, “após o desembaraço da quinta declaração de importação, o CERAD não mais poderá parametrizar as novas importações da autora para o canal cinza […]. Além disso, caso sejam lançados novos parâmetros para o canal cinza no futuro, estes deverão ser igualmente desconsiderados após o desembaraço sucessivo da quinta declaração de importação que passe pelo canal cinco sem verificação de qualquer infração punível com o perdimento”.

E continua “Embora pareça uma solução que impõe um critério arbitrário, trata-se de uma solução que se insere na possibilidade de modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade da omissão normativa quanto a limites temporais para a parametrização para o canal cinza. Se não pode a Administração deixar de fiscalizar, não pode o contribuinte manter-se indefinidamente refém da fiscalização. A autora, por sua vez, deve observar o ônus que lhe compete, mantendo regulares todos os documentos gerados na operação comercial, inclusive os que comprovam o pagamento aos fornecedores”.

Portanto, conclui-se que não pode o importador ficar refém da fiscalização por tempo indeterminado, ainda que seja pessoa jurídica que apresente comportamento de risco, pois, desta forma, estariam sendo violados os princípios da presunção de inocência e do devido processo legal, ao passo que, não pode o Fisco deixar de fiscalizar o importador, pois o princípio da igualdade estaria sendo descumprido.

Fontes:

BRASIL. Lei 5.172/66 – Código Tributário Nacional. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5172Compilado.htm. Acesso em 06 de julho de 2017.

RECEITA FEDERAL. Instrução Normativa n. 680/2006. Disponível em: http://idg.receita.fazenda.gov.br/orientacao/aduaneira/manuais/despacho-de-importacao/topicos-1/despacho-de-importacao/etapas-do-despacho-aduaneiro-de-importacao/parametricao – Acesso em 06 de julho de 2017.

DIEZ, Rossi Renan. A parametrização de uma e fiscalização aduaneira. Disponível em: http://www.administradores.com.br/artigos/negocios/a-parametrizacao-de-um-canal-e-a-fiscalizacao-aduaneira/85488/ – Acesso em 06 de julho de 2017.

MARTINS, Jomar. Receita não pode manter importador em “canal cinza” por tempo ilimitado. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2016-dez-22/fisco-nao-manter-empresa-canal-cinza-tempo-ilimitado. Acesso em 06 de Julho de 2017.

 

 

Jonas Ariel Sevenhani

Advogado – OAB/SC 42.399

Célula Tributária

 

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