A ILEGAL CONDICIONANTE AO DIREITO DE PARCELAMENTO SIMPLIFICADO PERANTE A RECEITA FEDERAL DO BRASIL

A Lei nº 10.522/2002 institui modalidades de parcelamentos ordinário e simplificado junto à Receita Federal do Brasil, sendo que o artigo 10 da referida Lei prevê que os débitos federais, de qualquer natureza, poderão ser objeto de parcelamento, veja-se:

Art. 10. Os débitos de qualquer natureza para com a Fazenda Nacional poderão ser parcelados em até sessenta parcelas mensais, a exclusivo critério da autoridade fazendária, na forma e condições previstas nesta Lei.

Trata-se, pois, da modalidade de parcelamento ordinário previsto na citada legislação.

Já o artigo 14-C da mesma lei institui o parcelamento na modalidade simplificada, para o qual a legislação expressamente afastou vedações contidas, nestes termos:

Art. 14-C. Poderá ser concedido, de ofício ou a pedido, parcelamento simplificado, importando o pagamento da primeira prestação em confissão de dívida e instrumento hábil e suficiente para a exigência do crédito tributário.

Parágrafo único. Ao parcelamento de que trata o caput deste artigo não se aplicam as vedações estabelecidas no art. 14 desta Lei.

Vê-se, pois, que ao parcelamento simplificado restou claramente registrado na lei regente que não se aplicam as vedações contidas no art. 14 da própria Lei nº 10.522/2002.

Desta maneira, para dar cumprimento ao disposto no art. 14 da mesma legislação, foi editada a Portaria Conjunta PGFN/RFB nº 448/2019, com objetivo de dar regularidade aos programas de parcelamento instituídos.

Ao analisar o artigo 22 da Portaria Conjunta PGFN/RFB nº 448/2019 – editada com o objetivo de regulamentar os parcelamentos previstos na Lei nº 10.522/2002 -, verifica-se a imposição de restrição na modalidade de parcelamento simplificado de débitos que ultrapassem a quantia de R$ 1.000.000,00, de sorte que a Lei Federal, antes citada, nada dispôs sobre a limitação de valores mínimos e máximos para adesão ao parcelamento. Confira-se a redação do referido dispositivo:

Art. 22. A concessão de parcelamento de débitos cujo valor consolidado seja superior a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) fica condicionada à apresentação de garantia real ou fidejussória.

Ora, é conhecimento elementar que SOMENTE A LEI – e não Portarias – podem impor restrições aos cidadãos e contribuintes.

Desta maneira, ainda que o parcelamento seja uma opção ao contribuinte para regularizar débito fiscal, suas condições devem estar previamente estabelecidas em lei específica, isto porque, deve-se respeitar o princípio da legalidade estrita, vigente no Direito Tributário.

Nesse sentido, analisando a Lei 10.522/2002 verifica-se que inexistem quaisquer vedações ou condicionantes relacionadas ao valor do débito que se pretende parcelar.

Assim, pode-se facilmente concluir que a previsão contida na Portaria Conjunta, de exigir garantia para a concessão de parcelamento de dívidas que ultrapassem R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), se deu em contrariedade à Legislação Federal publicada.

Isto posto, salienta-se que não há autorização legal para que a Autoridade Fazendária estabeleça condicionantes ou limites para a concessão do parcelamento por mera Portaria.

Desta maneira, não há dúvidas de que, não havendo autorização legal para remeter à norma infralegal o estabelecimento de condições e limites, a referida Portaria Conjunta PGFN/RFB nº 448/2019, na previsão contida no artigo 22, extrapolou seu poder regulamentar, inovando a ordem jurídica ao impor condicionantes para concessão do parcelamento simplificado, a despeito da inexistência dessa limitação legal.

A referida portaria conjunta, ofende, inclusive o princípio da legalidade o qual determina claramente que: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de Lei”.

É o que inclusive nos ensina Hugo de Brito Machado:

Presta-se o princípio da legalidade para garantir a segurança nas relações do particular (contribuinte) com o Estado (fisco), as quais devem ser inteiramente disciplinadas, em lei, que obriga tanto o sujeito passivo como o sujeito ativo da relação obrigacional tributária. (grifo nosso)

Ademais, uma vez que a Lei nº 10.522/02 dispõe sobre o parcelamento simplificado sem considerar limites de valores ou a apresentação de garantias, não há como a Portaria Conjunta PGFN/RFB nº 448/2019 inovar no ponto, sob pena de violação ao princípio da reserva legal em matéria tributária.

A esse respeito observe-se que a discussão acerca da possibilidade de atos infralegais extrapolarem o conteúdo das leis em função das quais foram editadas deve ser resolvida à luz dos princípios constitucionais da legalidade estrita, da isonomia e da segurança jurídica.

Portanto, o parcelamento deve pautar-se em condições anteriormente estabelecidas em lei específica e, por se tratar de modalidade de suspensão tributária, somente pode ser estabelecido por lei, nos termos do artigo 97, inciso VI, do Código Tributário Nacional, sob pena de violação ao princípio da segurança jurídica e da legalidade estrita em matéria tributária, in verbis:

Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:

(…)

VI – as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades.

Dessa forma, ainda que o parcelamento seja uma opção ao contribuinte para regularizar débito fiscal a partir de uma concessão da autoridade fiscal, suas condições, em respeito ao princípio da legalidade estrita vigente no Direito Tributário, devem estar previamente estabelecidas em lei específica. Portanto, a citada Portaria Conjunta fere princípios da legalidade, da isonomia e da segurança jurídica.

Assim, uma vez preenchidos os requisitos do parcelamento, vedações – que não estejam previstas em lei específica –  não podem representar qualquer tipo de óbice à concessão do parcelamento simplificado.

Deste modo, o direito ao parcelamento simplificado é claro, não podendo uma portaria criar limitação que não esteja prevista em lei, vez que preenchidos todos os requisitos exigidos, deve ser afastada a exigência imposta pelo artigo 22 da Portaria PGFN/RFB n. 448/2019, a qual viola frontalmente o princípio da legalidade estrita, da segurança jurídica e da isonomia, além de contrariar o disposto nos artigos 97 e 155-A, do Código Tributário Nacional.

 

Scheila Marina Ferreira Cardoso

Advogada OAB/SC 51.647

Núcleo Tributário

 

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