André Eduardo Campos
O imposto devidamente apurado e declarado é, na essência, mera dívida civil, afinal, o devedor não esconde, não frauda e não falsifica nada ao declarar ao Estado o quanto deve de impostos, condutas estas que são exigidas para a configuração do crime, conforme artigos 1º e 2º da Lei n. 8.137/90.
Uma das incógnitas que aflige a maioria dos empresários é: não pagar tributos, crime ou não? A resposta exige, além de reflexão sobre conceitos jurídicos, muita sensatez.
O imposto devidamente apurado e declarado é, na essência, mera dívida civil, pois o devedor não esconde, não frauda e não falsifica nada ao declarar ao Estado o quanto deve de impostos, condutas estas que são exigidas para a configuração do crime, conforme artigos 1º e 2º da Lei n. 8.137/90.
Portanto, ao não cometer quaisquer das condutas dolosas previstas na Lei de Crimes Tributários (Lei 8.137/90), o devedor de imposto declarado não poderia ser considerado criminoso, afinal, a Constituição Brasileira prevê que “não haverá prisão civil por dívida (…)” (CRFB, art. 5º, LXVII).
No entanto, não é assim que o Poder Judiciário tem interpretado as questões de dívidas tributárias.
Após acirrada discussão jurídica, as duas Turmas de Recursos Criminais do Superior Tribunal de Justiça se uniram e os Ministros que as integram definiram, apenas por maioria, que o não pagamento de imposto devidamente declarado caracteriza o crime descrito no art. 2º, II, da Lei n. 8.137/90.
Com todo o respeito aos vencedores, concordamos com os Ministros que entendem em sentido contrário (de que não é crime), pois, como dito, ao apurar e declarar o imposto o contribuinte devedor não omite, não falsifica e não frauda a fiscalização tributária, conforme exigência da lei.
O Supremo Tribunal Federal ainda dará a palavra final sobre a questão quando realizar o julgamento do RHC n. 163334/SC, de relatoria do Ministro Roberto Barroso.
Para tentar encerrar essa discussão, tramita na Câmara de Deputados o Projeto de Lei n. 4276/2019, de iniciativa do Deputado Carlos Bezerra (MDB/MT), cuja iniciativa ampara a sensata compreensão de que a declaração e posterior não pagamento de tributos não é crime.
O projeto tem a pretensão de acrescentar parágrafo único ao art. 2º da Lei 8137/90 para esclarecer que:
Parágrafo único. Não configura o crime de que trata o inciso II do caput o mero inadimplemento de tributo regularmente declarado e devido na condição de contribuinte, ainda que o tributo, por sua natureza, comporte transferência do respectivo encargo financeiro a terceiro. (NR)
Os argumentos apresentados na justificativa do referido Projeto de Lei são esses:
JUSTIFICAÇÃO
A inadimplência de tributos, ainda que regularmente declarados pelos contribuintes, é um problema cada vez mais presente em tempos de dificuldades econômicas. Por mais que o contribuinte se esmere em calcular suas obrigações tributárias, por vezes não consegue quitá-las tempestivamente.
Contudo, se não há presença do intuito fraudatório, o que se daria por meio de informações falsas ou omissas, entendemos como equivocada a política pública de se punir criminalmente contribuintes que estejam em mora com o fisco.
Essa questão, rotineiramente levada às cortes de justiça, tem encarado retornos vacilantes do Poder Judiciário, que por vezes entendem que a simples inadimplência da obrigação tributária relativa a tributos indiretos, ainda que regularmente declarada, configura crime contra a ordem tributária, a ser enquadrada na conduta descrita pelo inciso II do art. 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990.
Perceba-se que não se objetiva, aqui, eximir de punição os contribuintes que atrasam a quitação de suas obrigações fiscais. Não obstante, entendemos que essa sanção deve se dar exclusivamente na esfera administrativa, por meio da aplicação de multas e juros. Diante dessa situação, conclamamos os ilustres Pares a apoiarem esta proposta para que seja reconhecido que o não pagamento de tributos regularmente declarados, em relação aos quais o declarante seja contribuinte, não configura, por si só, conduta criminalmente punível.
Como se vê, não é preciso esforço para entender a sensatez dos argumentos apresentados no projeto. Seu objetivo é dar à legislação interpretação que deveria existir desde a sua criação, qual seja, a de que a dívida de imposto declarado não é conduta criminosa. Isto se coaduna à impossibilidade de prisão civil por dívida prevista na Constituição.
Todavia, enquanto o Projeto de Lei aguarda aprovação, resta ao contribuinte construir sua própria resposta junto ao judiciário, por meio de bastante procuradores que possam convencer as autoridades, a fim de que a retórica criminalização da dívida tributária ceda lugar à conclusão de que o inadimplemento de tributo declarado jamais pode ser considerado crime.
André Eduardo Campos, advogado inscrito nos quadros da OAB/SC sob n. 51.730, integrante do Núcleo Tributário do Escritório DJE Advogados