É sabido que em condomínios residenciais, sejam eles horizontais ou verticais, moradores (condôminos) compartilham de forma diferenciada as áreas privativas e ambientes comuns e é com o intuito de promover uma convivência harmoniosa entre diversas pessoas é que se são realizadas as chamadas convenções internas, onde são elaborados estatutos sociais e regimentos internos.
O principal impasse que surge nas relações entre proprietários e as convenções condominiais se refere ao que dispõe o Código Civil em seu artigo 1.228. Nele, está garantido ao dono de imóvel o direito de usar, fruir e livre dispor de sua propriedade. Desta forma, as limitações que assembleias de moradores impõem ao uso de do imóvel parecem contraditórias.
Para melhor elucidar tal confronto de interesses, torna-se válido enfatizar que o conceito de propriedade não é entendido apenas por sua definição estrutural, mas também e especialmente, por seu aspecto funcional, ou seja, sua função social. Tal elemento, é consagrado pela Constituição Federal de 1988, como o princípio da função da propriedade (art. 5º, XXIII).
Há um entendimento entre os doutrinadores civilistas onde a propriedade deve ser vista como um instrumento para a construção de uma sociedade mais justa e solidária. Em razão disso, o exercício do direito de propriedade deve ser protegido no interesse da sociedade como um todo e não unicamente em favor do particular.
Deste modo, percebe-se a necessidade de se estabelecer um equilíbrio entre o uso da propriedade e conveniência de todos – daí a grande importância das convenções condominiais serem analisadas e aprovadas por todos os condôminos.
Todavia, é corriqueiro o ajuizamento de ações em que se discutem tais relações, especialmente quando o condomínio acaba aplicando multas aos condôminos por descumprimentos a suas normas.
Em um caso interessante apreciado pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina, um condômino foi multado pelo fato de ter exposto em seu apartamento uma placa de exibição publicitária de venda do imóvel. Ao argumento do condomínio, está prevista na Convenção do Condomínio a proibição de afixação de anúncios, placas e letreiros de qualquer natureza na fachada externa do edifício.
O condômino insatisfeito com o entendimento aplicado pelo condomínio ingressou com pedido declaratório de inexistência de débito e consignação em pagamento, pugnando pela antecipação de tutela provisória de urgência para obter a autorização judicial para expor a placa publicitária, bem como, obstar que se nome seja inscrito nos órgãos de proteção ao crédito, em razão da multa aplicada e discutida.
Tendo sido deferida a tutela, o condomínio requerido apresentou agravo de instrumento, objetivando a reforma da decisão.
Ao analisar o caso, a Ilustre Desembargadora Relatora Denise Volpato entendeu que, em que pese as normas condominiais possuírem força coercitiva absoluta sobre as partes a elas submetidas, estas “devem ser estabelecidas com atenção à razoabilidade e à proporcionalidade, no intuito de evitar violação ao direito de propriedade constitucionalmente previsto”.
Além disso, a magistrada mencionou que “imperioso reconhecer que o cerceamento à livre disposição da propriedade por norma de natureza convencional deve se limitar à proteção dos interesses dos demais condôminos, sem impor restrições desarrazoadas aos proprietários”.
Por fim, a Relatora entendeu que o condômino logrou êxito em demonstrar a excessiva austeridade da vedação, o que autorizaria a relativização das normas condominiais em respeito aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.
Assim, por todo o exposto, tem-se que para que a relação condominial seja saudável e atenda as expectativas de todos os moradores sem tolir o tão consagrado direito de propriedade, devem os envolvidos tomarem suas decisões com equilíbrio, para que assim todos possam expor suas opiniões e discutirem quais serão seus direitos e deveres dentro do grupo em que estão inseridos.
Gabriela Kurth – advogada
OAB/SC 38.848
Fonte:
Agravo de Instrumento nº 4009130-73.2018.8.24.0000